A tua carta pequenina; ao lel-a
Os olhos se me encheram todo d’agoa
Ao mesmo tempo que (como se a estrella
Mais brilhante do Azul, a luz radiosa
Por sobre mim lançasse de uma vez
E me envolvesse em luz...) a alma ditosa,
Palpitou-me em suave embriaguez.
Deu-me prazer, porque de quem se estima
A letra basta para dar prazer.
Nem preciso se faz que seja opima
A carta e grande seja a mais não ser.
Breve palavra só é uma caricia,
Doce consolo a quem a lê, ó Flor,
E leva a gente, ás azas da delicia,
A’ alva região mirifica do Amor.
Entristeceu-me... A gaze da tristeza
O coração ensombra quando alguem
Como tu, interroga na incerteza
De que eu ainda te quizesse bem.
Como não te querer? Neste retiro
Não te posso esquecer um só momento
E — crê — louco de amor por ti suspiro,
Sem poder te tirar do pensamento.
A’s vezes, me parece que te vejo,
Qual uma flor extranhamente rara,
O’ bella encarnação do meu desejo
Por quem a vida mesmo não poupara.
E saio — mas, em vão — no teu encalço
(Como apraz se sonhar!) e finalmente
Accordo como que de um sonho falso
Com teu perfil a me bailar na mente.
Domingo ainda pela manhã cedo,
Na hora da missa na pequena ermida,
Pareceu-me te ver (não é brinquedo)
De rubro perpassar toda vestida.
Semelhavas, assim, loura rainha,
Rico manto de purpura arrastando,
E sem cortejo, e rutila, e sosinha
Qual tangará que se apartou do bando.
Cheguei a ouvir a inveja, exasperada,
Dizer de ti mil cousas tão crueis
Como o puz de uma chaga gangrenada
Ou como os travos asperos dos fiéis.
E nada disse, emtanto... e nem covarde
Fui por isso... Bem sabem, meu amor,
Que á inveja, embora grite com alarde,
A gente sempre faz de mercador.
Deixei-a blasphemar porque, de resto,
Fôra inutil tentar tapar-lhe a bocca.
De que valera, dize-me, um protesto
Contra as loucuras de uma pobre louca?
E’s bella e virtuosa e é quanto basta...
A inveja é má. Virtude e formosura
Ella as detesta e, quando pode, arrasta
Ambas pelo caminho da amargura.
Só agora reparo que enfadonho
Vou me tornando, em te fazendo, assim,
A descripção real de irreal sonho
Que quasi sempre me persegue a mim.
Mas, bem sabes, amor, na soledade,
O coração deserto de prazer,
Emquanto escrevo amaina-me a saudade
E me custa parar de te escrever.
Perdoa-me, portanto, minha amada,
Se monotono fui e, por favor,
Não mais perguntes á alma apaixonada
Se ainda te consagra o mesmo amor.
Póde o fero destino me atirar
A’ mais triste e longinqua solidão,
A ausencia nunca, nunca ha de esfolhar
A flor do affecto do meu coração.
Villa da Magoa – 1907
Arco iris (1923); A Noticia (11/07/1907), como “Jansen de Capistrano”
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