Arrufos

A chuva cáe ás bategas lá fóra
E eu, á janella, a olhar... Subito, Flora
Surge a correr, molhada como um pinto,
Arrepanhando a saia... Em vendo-a sinto
Louca vontade de me rir. Parece
Que a alma da gente, ás vezes, endoidece
E como doida ri... De novo a ólho
E num riso, que canta, me desfolho,
Tal o vento uma flor desfolha, quando
Perpassa, como cão damnado, uivando.

E eu sei porque razão acho-lhe graça
E murmuro: bem feito! por pirraça,
E rio, e rio loucamente emfim,
Ao vel-a perpassar pingando assim...

Após reflicto
E da garganta solta-se-me um grito:
Olá!
E Flora, que é formosa mas é má,
Ouve-me a voz e, conhecendo-a embora,
Nem se volve, siquer,
E vae correndo pela rua afóra
Numa curta corrida de mulher.

Medito: devo ou não seguir-lhe a pista?
Claro que sim... Pego o chapéo e saio
Mais ligeiro, talvez, do que o cyclista,
Porem menos um pouco do que o raio.
Alcanço-a sem demora
E, com tremula voz, digo-lhe assim:
Queira saber, altissima senhora,
A causa porque vim...

E Flora, que é formosa, mas que tem
Um genio máu, me fita
Com olhar de desdem
E, raivosa, no ar a destra agita.

Insisto, todavia,
E Ella, sem zanga já, meiga afinal,
Olha-me e ri, assim como eu riria
Em frente de um jogral...

E, unidos, vamos, pela rua afóra,
Sob os olhos da gente que interpella,
Por não saber que Flora
E’ minha noiva e que eu sou noivo d’Ella.

1903.

A Noticia (06/07/1907), como "Jansen de Capistrano"; Commercio do Paraná (17/07/1921)

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