Delirando

Amei te com furor e o meo amor sincero
Correspondido foi; amámo-nos, porem,
O destino tão mau como se fosse Nero
Um dia te levou para terras de alem.

Mezes e mezes mais se passaram... Tristonho
Eu vivia a inquirir onde pairavas, Flor
Como o louco que tem unicamente um sonho
Eu tinha um sonho só — eras tu meo amor.

Tu te foras assim tão repentinamente
Que não tiveras tempo a me dizer adeos.
— Ah! como fere fundo o coração da gente
Não saber onde paira a luz dos sonhos seos.

Que de cogitações, Hamleto, amargurado
Pela dúvida atroz, eu pensava: talvez
Desgostosa de mim tivesses emigrado
— Andorinha cruel — para longe, de vez.

Meo amor! meo amor! que falta que me fazes!
Sem ti não viverei, siquer, um dia mais!
Eu tenho o coração crivado de gilvazes
E não posso conter a torrente dos ais.

O’ saudade pungente! O’ desejo de vel-a
Como outrora eu a via em plena radiação,
Assim como se fôra aurifulgente estrella
Que inundasse de luz a celica amplidão.

E no meio, afinal, deste immenso delirio,
Tal como, por encanto, apparece uma fada,
Resurgiste-me tu numa pompa de lirio
Enchendo de prazer a minha alma enlutada.

E a duvida feroz como o espectro de Nero,
— Nuvem se dissipou aos ardores de sòes —
— Amamo-nos ainda e o nosso amor sincero
Sò poderá morrer quando morrermos nós.

Coritiba–Paraná
Diario da Tarde (01/07/1910)

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