Lecticia

Ao Nicolau dos Santos

Sorrindo sempre, sempre risonha
Vejo-a. Parece que o riso mora
Dentro em sua alma virgem que sonha
E que se expande como uma aurora...

Jamais turvado, mesmo de leve
Foi pelo laivo de acre tortura,
Seu lindo rosto de rosa e neve
Onde bailando vê-se a ventura.

Ella não sabe que a dor existe...
— A dor, abutre de garra fèra,
Que a alma dolente de um pobre triste
A todo instante punge e lacera.

Chamal-a póde-se — alma de lyrio,
Alma que sonha, luz que radia
E perambula no grande Empyrio —
Dona Risonha, Dona Alegria.

Por certo pensa Dona Lecticia
Ah! forte engano pensar assim...
Que a vida é um sonho só de delicia,
Um sonho roseo que não tem fim.

Ah! mas quem sabe se essa creança
Que á flor dos labios traz a bailar
Um riso doce como a esperança
Ao mundo veio para penar?...

A vida eterno goso parece
Quando começa a resplandecer...
Mas como um sonho desapparece
Toda a alegria, todo prazer...

Ah! sim, quem sabe se essa creança
Que á flor dos labios traz a bailar
Um riso doce como a esperança
Ao mundo veio para penar?...

Azul (1900)

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