Illusão

Ao Raul Darcanchy

Porque me vês sorrir pensas que trago
n’alma a alegria, como um rossinol,
a cantar... Puro engano! As mais das vezes
o riso que nos brota á flôr dos labios
não traduz o sentir do coração.
Julgamos venturosos os que soffrem
os rigores crueis de atra desdita
e apparentam viver n’um mar de rosas...
Assim tambem d’aquelles que felizes
são realmente, e, emtanto, não parecem
lamentamos a sorte tormentosa.
Nós nos illudimos mutuamente,
uns aos outros nos vemos atravez
de um prisma differente... E se não fôra
isso a vida o que fôra, se ella apenas
consiste na illusão e nada mais?

A mim, orphão de amor e de carinhos,
que valeria andar d’olhos molhados
e triste, triste como o sol no occaso,
ou como nuvens negras de borrasca?
Assim, ria-me a bocca, emquanto chora
o coração que no meu peito trago,
e me julgue feliz entre os felizes
quem se deixa illudir pela apparencia.

Curitiba – Paraná
Diario da Tarde (10/02/1905), como “Nelson de Andrade”

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