De longe (1)

Velhinho bom, eu me quedo pensando
Em que tu pensarás, sosinho, quando,
Acocorado á porta do teo rancho,
Vejo-te — pouco a pouco esmaia o sol
E, sem temer as iras do carancho,
Canta na matta o suave rouxinol.

Talvez nessa hora passem-te á memoria
As scenas do Passado, — que é uma historia
Misturada de risos e cuidados —
Relembrarás, talvez, os dias idos,
Os innumeros gosos saboreados.

Ha de alegrar-te o rosto encarquilhado
A lembrança de um sonho constellado
Que o peito te deixou num alvoroço,
E inundar-te-á de pranto os olhos cavos
Toda a recordação dos acres travos
Que tua alma sorveu quando eras moço.

Mas, mesmo assim, nessa hora do crepusculo,
O coração, — o combalido musculo
Que te dà vida, ó velho quasi exhausto,
Esquecendo os desares pelos gosos,
Dirá, talvez: ó dias venturosos
Si Satanaz de mim fizesse um Fausto!

Na mocidade um só prazer compensa
Dos dissabores a cohorte immensa
Que nos assalta, sem piedade, ás vezes.
Vale por um dia de alma em lucto
De riso apenas celere minuto
Porque quem ri não sabe de revezes.

Só quando as cans, como prateados fios,
Vêm cabeças colmar, os tresvarios
Das eras findas pungem tão crueis.
Mas não chora quem tira da memoria
As scenas do Passado — que é uma historia
Misturada de nectares e féis.

Assim, velhinho bom, faze-te forte.
O que passou, passou. Pensa que a Morte
Dar-te-à descanço em te cerrando os olhos.
A Vida é um mar e quem nelle navega
Vai chocar-se da Magoa nos escolhos
Si do Infortunio bate-lhe a refrega.

Diario da Tarde (14/05/1910)

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