Cantares

Ao ouvir-te a voz cantante,
De harmonia sempre cheia,
Penso ser o navegante
Ouvindo a voz da sereia.

As flores, se, acaso, as fitas
Com teos dois olhos de nume,
Se finam nas exquisitas
Contorsões de acre ciume.

Ao ver-te o rubro dos labios,
Uma dhalia, meo amor,
Sorveo do fél os resabios
E se tornou incolor.

Os teos cabellos de um louro
Como igual não ha, creança,
Do Deos Jove a chuva de ouro
Trazem-me logo á lembrança.

Murmuro sempre que passas,
Tão fresca qual uma aurora:
Noutro tempo houve tres Graças,
Uma só existe agora.

Contanto que nunca o salto
Da tua bota fosse ao chão,
Preferira sobre o asphalto
Jogar o meo coração.

Se eu fosse millionario
Tudo déra — ó sorte louca!
Em troca do alvo rosario
De perlas da tua bocca.

As moças de ti tem gana,
O ciume fal-as assim...
E’ grande a cobiça humana,
A inveja matou Caim.

Diario da Tarde (02/04/1907), como “Jansen de Capistrano”

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