Canção

O vento, como um açoite,
Por entre as enxarcias passa,
E’ noite. Tremenda noite
Como a noite da desgraça.

Como um monstro revoltado,
O mar se levanta em estos,
Como quem despeja irado
A cornucopia de doestos.

Um mundo de cousas hediondas
A’ mente vem, quando o mar
Revolto, revoltas ondas
Contra o céo põe-se a atirar.

Sente-se o gelo da morte
Andando á matroca, assim...
— Senhora da Boa Sorte,
Tende piedade de mim!

De mim e de todos que
Marujos como eu, do oceano
Andam — pobres! — á mercê
Batidos por vento insano,

Que cesse a tormenta, as vagas
Se amainem, tambem, Senhora,
Afim de se ir ter ás plagas
Em que por nós jà se chora.

O céo se faça estrellado,
Mudando o senhor presago,
E sobre o mar não irado
Se viaje, como num lago.

Coitado de mim! Coitada
Dessa em quem saudoso scismo,
Se o mar, se abrindo á rajada,
Me sepultasse no abysmo.

Passou a furia do vento,
O barco, leve, balança...
E no azul do firmamento
Brilha luz de alma esperança.

Coritiba–Paraná

Diario da Tarde (06/08/1910); Commercio do Paraná (27/03/1921)

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