O Jornal - Primeiro Acto

CONTINUO – Eis o programma:

Sou jornal independente.
Pennas torunas,
Continuamente,
Abrilhantam-me as columnas.

Dou combate á prepotencia,
Defendo o fraco
Contra a inclemencia
Do villão, a quem ataco.

Se o povo pede justiça,
Delle me faço
Echo e, na liça,
Minha voz é um canhonaço.

Jamais sahirei da linha
Do meu programma...
Contra a mesquinha
Gente sou, que a Patria infama.

De quem quer que seja a falta,
Eu não a escondo;
Alerta, a malta
Dos ladrões constante rondo.

Tentativas de suborno
Baldas serão...
Nem de ouro um corno
Far-me-á mudar de opinião.

De arreganhos rio e zombo...
Não me intimida
A morte – tombo
Que todos levam na vida.

Palmilho a gôsto o caminho...
Por isto, assim
Irei sosinho
Da minha rota até o fim.

CORONEL – Ai mãe, nho moço! Esse annunço tá arriba de barburidade! Eu inté lhe digo que é perciso tê caracú de boi nos miolo pra inventá e inscrevê nos jorná essa porção de coisarada. Ota, que o redatô é um moço de inlustração! A minha muié é que vae senti gosto no Papanduva com o orgui delle! Intonces cando ella chegá naquelle pedaço do jorná que se arrefere ao corno de ouro (com licença de Vancê) é capais de arrebentá o cois das saia, sortando umas gargaiada de fazê tremê as vaccas no potrero!
CONTINUO – Realmente, o coronel tem razão, porque o programma é o que ha... (á parte) para quem não conhece a venalidade da penna que o traçou! Em lendo-o, a gente que se não deixa embahir por promessas mentirosas, recorda-se da plataforma dos presidentes eleitos, que dizem: farei isto, farei aquillo, e no fim não fazem nada. (ao CORONEL) Olhe, coronel, vamos ver o artigo de fundo.

É preciso reagir contra a canalha
Que se apossou das redeas da Nação.
É preciso reagir... Venha a metralha...
Vomite morte a bocca do canhão.

Coragem, povo, que não ha muralha,
Que nos entrave a furia de leão...
Quem morre pela Patria na batalha
Eterno fica no seu coração.

Ás armas, pois! Á luta, que é mister
Zurzir a corja vil que a Patria explora
Como o rufião explora uma mulher!

Mostremos que ainda ha filhos desta terra
Em cujo coração grandioso móra
O patriotismo que conduz á guerra!

CORONEL – Brabo! Brabo! A gente despois de lê esse montão de palavrada fica inté cheio de corage quar nos tempo das guerra dos paraguayo, cando se tomava pinga com porva pra matá sordado do tyrano! O artigo é bão de mesmo, mais porem os fundo inda é mió! É um brutão que se assemeia com as abundança da muié do Chico Ferradura! A gente cando lê um jorná iguar a esse é que vê canto a graudada se arregala lá em riba sem se alembrá dos pequenos como nois que as veis pra não morrê de fome roemo o corno do visinho mais dinheirudo.
CONTINUO – E podia ser peior, coronel. Emquanto se róe o dos outros não é nada. Lembre-se, meu amigo, que já é uma felicidade não imitarmos o lagarto que se alimenta com a propria cauda!
CORONEL – Oie, nho moço. Si fosse possiver eu arreunia a Geltrude mais a fiarada e mandava a canella braba no frontespice dessa canaiada, que costuma fazê como o morcego, que chupa o sangre e despois assopra nos buraco pro mode de não se senti a dô das dentada.
CONTINUO – Agora, coronel, vamos correr o mundo, sem que nos mexamos deste logar.
CORONEL – Dexe de histora, nho moço... Vancê já vio arguem da vorta sem caminhá? Qué vê que vancê tãobem é discipro das siença do porfessô Pombo?
CONTINUO – Sim sr., já vi e a prova é que vamos andar parados atravez dos telegrammas. Eil-os:

(RIO DE JANEIRO)
O mago Mucio Teixeira
Vem de dizer que o Epitacio,
Findando o governo, queira
Ou não, deixa o palácio.

Essa estranha prophecia
Causou aqui tal estrago,
Que o povo todo queria
Que fosse lynchado o mago.

Entretanto, o presidente
Aconselhou muita calma,
E o povo, benevolente,
Deixou o Mucio com alma.

CONTINUO – Esse é um telegramma do Rio de Janeiro.
CORONEL – Ahn! Vancê falou nos telegramma... Agora eu se alembro que telegramma é uma especia de carta dos correo, mais porem mais pequeno, e que anda tão ligero como a egua do Mané Forquilha. Elle vem por dentro de uns arame. As veis, cando chove muito, elle chega moiado que quage nem se pode comprendê. Cando o Chico da Quininha se casou-se eu arrecebi um telegramma que a minha véia achou feio como o dianho. O Chico dizia “tou casado”. A chuva, intonces, moiou os papé, a tinta se espaiou, feis uma letra criá perna e a palavra ficô mais feia do que a carantonha da nha Procopia do rincão. Eu fui, intonces, ao telefo sabê o que era aquella coisa e os moço me disseram que a curpa não era delle, era da trevoada mais da chuva que tinha moiado todos os fios dos arame.
CONTINUO – É verdade. A trovoada, ás vezes, faz cousas que assombram a gente, muito principalmente a que ronca no lar, como já me succedeu um dia em que a mulher me descobrio no bolso uma caixa de phosphoros que não tinha a marca John Kopings!
CORONEL – Dexemo as trevoada, nho moço, e vancê me diga quem é esse tar de Mucio Texeira que os home queria matá?
CONTINUO – É um velho, que fez versos quando moço e agora se diz hierophante.
CORONEL – Que tá dizendo! Foi fazedô de poesia e virou em alifante?!
CONTINUO – Hi-e-ro-phan-te. Isto é, metteu-se a estudar o occultismo e ficou convencido de que pode prever o futuro, por isso que, de vez em quando, annuncia que vae succeder qualquer cousa.
CORONEL – E assucede?
CONTINUO – Qual o que... Acontece justamente o contrario. Nada se dá do que elle prediz.
CORONEL – Intonces o Neco Pitanga do Papanduva é mais adivinhadô do que o alifante, proque cando eu se casei com a muié, elle disse que dahi a nove mez eu havera de ganhá um nenê e no dia marcado a Geltrude bradô as arma e a Chica sartou pro mundo.
CONTINUO – Atenção coronel, Aprecie este outro telegramma:

(RIO DE JANEIRO)
Uma pobre mulher de Barra Mansa,
Que jogava no bicho todo dia,
Ha dias deua á luz uma creança
Que em tudo ao jacaré se parecia.

A mãe desse monstrengo horripilante
Matou-o e se matou, e o pae, então,
Desesperado, nesse mesmo instante,
Perdeu de todo o uso da razão.

CORONEL – Credo, nho moço! Vou já inscrevê pra Geltrude arrecommendando que se oie nesse espeio, proque si ai muié que goste do bicho é a minha. Vancê é capais de não acreditá, mais porem eu lhe juro que é certo. De uma feita, cando nois era casado de fresco, a Geltrude pegou na cobra tres vez seguida. Agora ella que largue do bicho, proque esse negoço de sê pae de jacaré eu esconjuro. A véia se adiverte co bicho, mais porem não é tanto pro se adiverti que ella joga. É mais pro mode tirá as diferencia dos perjuiso que ella sofre co as apoles que arrecebe como perfessora lá dos arraiá. O fio do cumpadre Chicuta, moço dinherudo que banca o bicho, é que vae ficá se lambendo de sastifação, proque a Geltrude tinha cada parpite que inté apparecia coisa de bruxedo. A gente dos arraiá tenham cobicia da sorte da muié, que inté nem me conta os bicho que compra, só pra me causá surpresa. Quage todo dia a muié vae á casa do bancadô e vorta trazendo umas dinherama!
CONTINUO – É de admirar tamanha felicidade! Permitte que lhe pergunte quantos annos tem sua esposa?
CORONEL – Anda ahi por um quarteirão de annos.
CONTINUO – 25 annos?! (á parte) Quantos terá o banqueiro? (Ao coronel) Está na idade em que a mulher, que joga no bicho, só deixa de ganhar dinheiro quando quer! Bem... Não falemos mais nisto... (á parte) Conhecem a tia Fortunata? Essa negra velha uma vez me disse que conhece muitas moças bonitas que ganham dinheiro no bicho sem que comprem bilhete! É o cumulo da sorte!

Doutor Mario Faria,
Medico-operador.
Em alta cirurgia
Não tem competidor.

Consultorio:
Largo Osorio.

Aviso á clientella:
Preços da tabella.

CONTINUO – Isso é um intercalado, - annuncio de um medico, uma summidade na sciencia de Hipocrates, especialista em molestias incuraveis. Formado pela academia Lawrence, do Rio de Janeiro, possue um diploma que lhe custou a fabulosa quantia de 60$000. Ha já algum tempo, está estabelecido nesta cidade, onde tem feito curas admiraveis. Ainda ha dias os jornaes annunciaram a seguinte: Um individuo machucou o dedo indicador e, como não se tratasse devidamente, sobreveio o tetano. O dr. Mario, sendo chamado, accorreu promptamente á casa do doente, cuja vida salvou, cortando-lhe todo o membro arruinado.
CORONEL – Barburidade! E despois?
CONTINUO – Depois, o cliente, restabelecido, foi ao consultorio do seu salvador saber quanto lhe devia. O medico, sem lhe dizer uma palavra, poz-lhe sob os olhos a humanitaria tabella que elle e os seus collegas organisaram. O recem-operado, que era um homem pobre mas intelligente, começou a fazer a conta do que tinha a pagar ao esculapio, mas quando vio que, para tal, era insufficiente o seu ganho de um anno, foi se tornando pallido, sentio tremuras, sobreveio-lhe uma syncope e... morreu!
CORONEL – E o dotô deixou que o home morresse sem pagá?
CONTINUO – Sim... mas ainda tentou cobrar a conta, desistindo disso somente quando chegou á conclusão de que lagrimas de viuva pobre não pagam dividas. No fim, porem, quando o doutor Mario vio que era inutil querer tirar agua da pedra, poz á mostra a grandeza do seu coração, fazendo presente da conta á Santa Casa de Misericordia!
CORONEL – Ota lá home damnado! Provera Deus que na minha famia ninguem venham a percisá delle. Lá nos rincão não ai dotô dessa calidade. Nois temo apenasmente o Zidoro Queimado, que não é dotô formado pelas Niversidade, mais porem é destorcido nas ferrage. Cando ai um confrito de sangre, porveniente dos gorpes dos facão adversaro, nho Zidoro nem espera sê enconvidado pra tratá dos doente. Vae correndo aos locar acudi os brigadô. E intonces elle oia pros ferido e diz esta frasia: Corage... Se Vancê fô pro outro mundo eu não lhe cobro os trabaio. Nem tãopouco a sua muié mais a sua fiarada me paga as cura se Vancê fallecê. E Vancê qué sabê de um causo? Oie, nho moço, que seria uma pensão pros defunto a de i se interrarem sem pagá o dotô. Si intonces os doente ficam bão de saúde, elle, o Zidoro, diz: a minha tabella de preço é a conciença. Vancê pode dá o que quizé, consoante as suas posse. Vancê oie, nho moço, bamo virá a foia do jorná, proque isso de falá nos defunto fallecido me fais arrecordá as pissoa da famia que morreram, incrusive a potranca malacara que cahio no tremedar e lá ficou pra sempre enterrada viva! Ai, nho moço, eu aindas hoje choro a morte da pobresinha da egua, que me tinha custado 25 patacão de prata com os retrato do defunto imperadô.
CONTINUO – É de se lastimar tamanha infelicidade! Que quer, porem, o meu amigo, si nós todos estamos sujeitos a taes revezes! Console-se, coronel, porque peior seria se lhe morresse a esposa ou um filho.
CORONEL – Quar, nho moço. A minha dô havera de sê a mesma, proque só Deus sabe a farta que a potranca me faz.
CONTINUO – Vamos continuar a leitura dos telegrammas. (á parte) Ha homens que nos fazem acreditar na theoria da metempsycose, porque não tendo a conformação do burro parecem possuir a alma delle! Agora o coronel vae ver o serviço exterior.
CORONEL – Exteriô?!
CONTINUO – Sim... sim... o serviço de fóra, do extrangeiro, as noticias mais importantes do novo e do velho continentes.
CORONEL – Ahn! a mode que tô comprendendo. Qué dizê que o redatô fais servicio dentro e tãobem fóra. O nosso servicio é dentro e o dos outros é fóra.
CONTINUO – Justamente. Interior quer dizer o serviço do paiz e exterior o do extrangeiro.
CORONEL – Por favô, nho moço, vancê não arrepita mais essa coisa de interiô e exteriô, proque me comprica a intelligença e eu vorto a não comprendê mais nada. Vancê fale como quem tem um burro na sua frente, em linguagem que eu possa intendê.
CONTINUO – Eu me explicarei melhor. Ouça-me então: quando o serviço é feito dentro chama-se interior e quando é feito fóra diz-se exterior. Comprehendeu?
CORONEL – Perfeitamentes. Tãobem proque Vancê não disse a coisa ansim logo de principe? Bamo, pois, vê a coisa de fóra.
CONTINUO – Escute lá:

(SPA)
Quando dos allemães, por ironia
Elevando-os, falava o heroico Foche,
Von Simons, que de um canto a voz lhe ouvia,
Disse: “Pode falar, mas não deboche!”

CONTINUO – Spa, coronel, é uma cidade da Belgica, onde os alliados estão brigando com os allemães, por causa da paz. Faz muito tempo, lá se vem realizando conferencias entre diversos representantes de nações que tomaram parte na ultima carnificina universal. Entretanto, os mezes se succedem e as discussões continuam, porque a Allemanha vencida não resolveu ainda despojar-se da ultima camisa que lhe cobre a pelle. Depois da tremenda luta, a ferro e fogo, no mar, no ar e em terra, temos a luta de palavras no interior de um palacete belga. O resultado, porem, é ficar a infeliz Germania reduzida á triste condição da mãe Eva, no Paraiso. Deixal-a-ão nua...
CORONEL – Vancê falou na Allemanha, que ia ficá sem camisa... Despois disse que a Germana ia ficá nua quar a mãe Eva. Vancê se exprique mió. A Allemanha eu sei que é a terra aonde nace os allemão, mais porem a Germana eu inoro. Vancê, qué moço lustrado, que sabe inscrevê nos jorná, pubrique um artigo, pedindo pro Papa não consenti que a Germana saia na rua sem camisa. Eta, muié sem vergonha! A mãe Eva se cobria cuma foia de parreira, proque naquelle tempo não havia panno pra fazê roupa. Despois, ella vivia sosinha com o véio della, o pae Adão, e muié, de accordo com as postura da Camera, não fais mar que amostre os seu incanto ao companheiro.
CONTINUO – Um telegramma de New York, coronel.

Um despacho recebido
De Moscow diz que o Czar
Parece não ter morrido,
Como se fez propalar.

A não ser uma pilheria,
O ex-rei Nicolau II
Logrou chegar á Siberia
Pela estrada do Outro Mundo!

CONTINUO – Comprehendeu, coronel? É que o czar, ex-soberano russo, que foi assassinado pelos soviets, tem resuscitado tantas vezes que os correspondentes telegraphicos já fazem troça quando a elle se referem. Olhe, temos outro despacho da mesma procedencia:

(New York)
Das notas de Petrogrado
Apenas uma destaco:
Trostloi quer mulher-soldado
E não quer homem-cossaco!

CORONEL – Que, nho moço! Quem é esse Trostloi que não quer home cossaco? Vancê veja bem que esse sujeito não pode sê bem dos miolo, proque pra não querê os home como elles naceram só sendo louco do juiso!
CONTINUO – O coronel está fazendo confusão, resultante de um trocadilho. Cossaco é o nome de um soldado russo, que mata gente com a mesma facilidade com que as mulheres matam as pulgas que conseguem apanhar nas dobras das camisinhas rendadas. Trostloi é um dos chefes do governo bolchevista. Elle e Lenine são os manda-chuvas na Russia.
CORONEL – Apois elle que se nine com a idea de fazê muié sordado, proque cossaco so fica bem os home.
CONTINUO (á parte) – E não é que o Anacleto quasi fez um trocadilho com o nome de Lenine! Noticias de Varsovia, meu coronel.

Ó fado mais que mofino!
O batalhão feminino,
Depois de luta tenaz,
Rendeu-se, porque baldado
Ir alem, sendo atacado
Pela frente e por detraz!

CORONEL – Eta barburidade! Que farra destorcida, santo Deus! Nos entrevero das arma branca a polacada entrou nos ferro da russada que inté foi uma desgracia! Parece que tô a vê o commandante dos russo gritá: Avança, sordado! Avança, cossaco! Ataca, cossaco, as muié pela rectaguarda e pela dianteira, sem dó nem piedade! Tãobem havera de se só muié atravessada nos ferro dos inimigo! De certo houve chilique de medo de morrê e era só muié no chão atacada de nervura! Ai, mãe do céo! Quanto os vencedô marvado não ajudiaram das moças! Inté dá pena a gente se alembrá das polacada!
CONTINUO – Talvez não houvesse tal, coronel. Dizem que os russos são crueis, entretanto eu sou levado a crer que as moças polacas foram poupadas pelo inimigo, por se tratar de mulheres rendidas. É da lei da guerra o poupar-se a vida do adversario que se entrega, depondo as armas. Outro telegramma, procedente de Londres:

Corre o boato insistente
Que um lord, dono de mina,
Vae casar-se brevemente
Com mademoiselle Esther Lina.

E emquanto, por esse enlace,
A cidade inteira vibra,
O lord, qual Lovelace,
Nos braços do amor se libra.

Para o coronel nenhuma importancia tem essa noticia oriunda de Londres. Para nós, porem, que chegamos a conhecer a noiva, o caso não deixa de ter interesse. A senhorita Esther Lina, comquanto não nascesse no Brasil, aqui residio por muito tempo. Houve mesmo quem se apaixonasse por ella, apezar de ter absoluta certeza de que muitos já a haviam possuido. Um bello dia, emtanto, Esther Lina fugio da mão daquelle que, cheio de ciumes, queria trazel-a presa a sete chaves. Foi então pedir protecção ao governo que, para evitar complicações diplomaticas, fel-a embarcar para a Inglaterra, seu paiz de nascimento, acompanhada de diversas irmãs, a custo arrancadas á mão de alguns agiotas. Os jornaes noticiaram a partida de Esther Lina, elogiando na mesma ocasião o acto do governo. Afinal, Esther Lina chegou ao seu destino, conforme communicação recebida. Depois disso nada mais se soube a respeito dessa menina loira, a não ser agora por esse telegramma que annuncia o seu casamento. Ora ahi está, coronel, a historia da senhorita Esther Lina.
CORONEL – Está engraçado o negoço dessa moça estrelinha. Confesso, porem, a Vancê que se o causo fosse um pouquinho mais grande, Vancê havera de vê como ronca um porco proque eu tirava uma soneca aqui mesmo. Nas expricação que vancê deu ai um caroço que eu não pude inguli. Nos livros dos diccionaro, que a Geltrude tem pra ensiná a piabada, o verbo senhorita qué dizê moça boa que nunca se casou com home. Agora progunto eu a Vancê: pode sê senhorita a muié que tantos homes já pissuiram? Por Deus nosso senhô que eu tenho dó do ingrez. Que Vancê pensa, nho moço, elle, cando sôbé que a muié já passô pelas mão dos outro, é capais de imitá o Quinco Taquara lá do rincão, que matou a muié na noite do casamento!
CONTINUO – Que barbaro! E houve motivo que justificasse o crime? Porque foi que elle a matou?
CORONEL – Proque havera de sê? O Quinco era um home ambicioso e não gostava da Nastaça. Elle casô proque se dizia que ella pissuia arguma coisa. Na noite do casorio, cando elles ficaro sosinho, elle quiz sabê canto ella tinha de dinheiro. Intonces ella disse que não tinha nem tres vintens. Elle ficou brabo como um tigre maiado, munhecô a garrucha e pregô fogo na muié. A coitada caiu defunto em riba da cama e o mardito marido foi contá pras poliça que tinha matado a muié, proque ella tinha confessado que era viuva de um home que ainda estava vivo.
CONTINUO – Acredito, coronel, que não foi a pobresa da Anastaça que levou o tal Quinco Taquara á pratica desse uxoricidio. A meu ver, a causa do delicto está na ultima parte da narrativa que me vem de fazer. É que ella se dizia solteira e...
CORONEL – Vancê discurpe interrompê a sua falação. As hora tão ficando tarde e despois eu não tenho tempo de vê todo o orgui.
CONTINUO –Está bem. Amanhã conversaremos com mais vagar. Dar-me-á o prazer de ir a nossa casa, onde, se lhe aprouver, passará o dia. Apresentar-lhe-ei minha mulher...
CORONEL – Intonces Vancê tãobem é casado?
CONTINUO – Sim, meu caro coronel. Sou casado e posso lhe garantir que não ha marido mais feliz do que eu. Minha mulher é um anjo.
CORONEL – Apois eu dou parabem a Vancê. Oie que eu sou capais de dizê proque Vancê é feliz...
CONTINUO – É possivel que adivinhe a causa da minha felicidade conjugal. Faça o favor de dizel-a.
CORONEL – Eu lhe exprico, sem muito arrodeio. É que Vancê se casou-se com moça boa, bonita e de inducação.
CONTINUO – Bravissimo, coronel. Adivinhou, porque minha mulher é o symbolo da virtude, rivalisa com Venus em formusura e é de uma educação tão esmerada que é incapaz de repellir siquer uma offensa. Esses tres predicados essenciaes a uma senhora ella os tem, por isso que a julgo um cherubim dentro do nosso lar.
CORONEL – Ahn, nho moço, eu inté lhe digo que a Geltrude é tar quar a muié de Vancê. E pra gente sê feliz nos casorio é perciso que a moça que nois escoiemo pra companheira tenha os tres... os tres... Eu se esqueci da palavra que Vancê pornunciou agorinha.
CONTINUO – Predicados...
CORONEL – Isso mesmo. Tenha os tres perdicados.
CONTINUO – Entretanto, eu acho que uma mulher feia, mas virtuosa e educada, pode ser magnifica esposa.
CORONEL – Quar o quê. Oie, eu, que sou teimoso como a mula do persidente da Camera do Papanduva, continuo a afirmá, em discordança das sua consideração, que só dois perdicado é pouco pra servi de esposa. A muié que quizé se casá percisa tê os tres... Palavra, nho moço, que se eu fosse rapais casadoiro não queria pra muié uma moça inducada, que falasse francez, arithmetica, ingrez, geographia e outra lingua, que tivesse um sembrante de belleza e não fosse moça boa de virtude.
CONTINUO – (á parte) É engraçado este sr. Anacleto! E não é que elle acreditou que a minha mulher é um anjo?! Felismente não temos filhos e o divorcio é a taboa de salvação dos maridos de jararacussús! (Ao coronel) Ahi tem outro telegramma. Procede da terra dos fados e dos cégos, que uns mandriôes exploram fazendo musica pelas ruas. Vejamol-o:

(LISBOA)
O senado portuguez,
Por um extranho capricho,
Pretende acabar de vez
O falatório prolixo.

Assim, quando um par a fala
Estende, os outros se vão...
E o orador fica de sala
Só com as moscas de... Milão.

Sim, sr. Este telegramma é a ultima palavra em materia de greve! O Senado portuguez, manifestando-se contra o chorrilho oratorio, vem de dar um exemplo, que devera ser imitado pelos nossos congressistas, quer estadoaes, quer federaes. Realmente, nada ha mais irritante do que aguentar-se uma algaravia durante horas e horas. Muitas vezes, qualquer parlamentar, que não dispõe de dotes tribunicios nem de illustração, para justificar um projecto sem nenhuma importancia, usa da palavra e lá vae um carrilhão de asneiras de todos os tamanhos! (á parte) Noto que o coronel está estupefacto diante da minha vervorragia! É isso, coronel, a greve contra os tribunos prolixos veio a calhar e oxalá que os grevistas consigam a adhesão dos nossos lycurgos, cuja divisa devera ser esta: Poucas palavras e muitos actos. Todavia...
CORONEL – Abasta, home de Deus! E aindas Vancê qué mettê todavia nesta falação. Arre que Vancê, enlogiando as gallegada, proque arreduziram as discurseira, inté se esqueceu-se que está falando mais do que o papagaio da Carlota cando pega a adivinhá que vae chuvê. Vancê mi discurpe, mais porem carece dizê que eu intendo mió as linguage do papagaio arreferido do que a sua discursarada.
CONTINUO – Bem... bem... Não proseguirei nos commentarios.
CORONEL – É mió, proque se Vancê se espaia nas prosa e entra a falá em todavia e outras coisa desagradaves, eu vou simbora sem chegá a vê a metade do orgui do redatô. Vancê sorta a miudo cada vocabro que a gente nem sabe o que sinifica.
CONTINUO – Ora, coronel! O sr. me faz grande injustiça avançando a tanto. Eu falo ao alcance de qualquer pessoa por menos instruida que seja. E falo em puro vernaculo.
CORONEL – E vancê a dá co as suas palavrada dificir!
CONTINUO – Perdão, meu amigo. Eu queria dizer que me exprimo em portuguez correcto.
CORONEL – Isso não, nho moço. Vancê as veiz diz umas palavra que é mais que immundicia, palavra que um home inducado não pornuncia cando fais confabulação com outro home de respeito.
CONTINUO – Diga qual a palavra que tanto o melindrou, meu sympathico coronel...
CORONEL – (á parte, rindo-se) Simpaco? Eu agora se alembrei de umas moçarada de fremusura que tava na ginella da casa della, cando eu passei pelas carçada. Ella disseram esse nome pra mim e me enconvidaram pra entrá. (ao CONTINUO) Vancê disse chorrio e isso não se diz nas facias de um christão iguar a mim. Essa palavrada lá nos arraiá tem uma sinificação abastante feia. Vancê qué sabê o que nois conhecemo com esse nome? Eu lhe vou contá. Chorrio qué dizê que o potrio comeu capim verde, que deu nas barriga do bruto e que elle não se aguentou. Essa palavra é uma misturada de CHÓ, que qué dizê pros irracioná que pare, e RIO, que sinifica corrê. Qué dizê que os animá comendo capim verde desandam as barriga e mesmo que parem a coisarada tá correndo. É ou não é uma palavra que a gente não deve pornunciá?
CONTINUO – (trocista) Obrigadissimo pela licção. Vivendo e aprendendo. Estou convencido de ter empreagdo a esmo a palavra. Perdoe-me. (á parte) Confesso que tenho usado de uma linguagem impropria de quem mantêm conversação com um individuo quasi imbecil, mas eu queria mostrar a este caboclo que continuo de redacção é quasi jornalista e que se não escrevo, fazendo-me guia do povo, é porque o destino poz-me á mão, em vez de penna, um espanador que não cabe no tinteiro! BRIC-a-BRAC, illustre coronel.
CORONEL – Continua vancê a falá coisa que eu não entendo. Que negoço de bric-a-brac é esse?
CONTINUO – Vou lhe explicar. Bric-a-brac é uma especie de gaveta de sapateiro, porque tem de tudo... por conta alheia. É o desaperto dos jornalistas improdutivos, que manejam a tesoura e enchem columnas á custa dos outros. Escute lá uma anecdota infantil:

Dois irmãos de pouca idade
Brincam sosinhos na sala,
Nessa doce alacridade
Que a alma da infancia embala.

De repente um delles sae,
Vae ao quarto e volta então
Dizendo: sabes, papae
Assustou-me o coração!

Nós vamos dormir no escuro...
Que medo! Jesus! Jesus!
Papae disse agora, eu juro,
Que a mamãe vae dar á luz...

Gostou?
CORONEL – Pra lhe dizê as verdade, a mode que eu já ouvi a Geltrude contá essa histora. Ahn! Agora eu se alembro. Foi ella mesmo. A Geltrude tinha pegado uns papé de jorná pra lê nos mato e topou nelle com essa versaria. Na vorta, ella trouxe o jorná pra eu lê essas trova, que tinha inté um pedaço sellado com umas estampia de cô quage amarellada.
CONTINUO – Pois é o que lhe digo. Esta secção não tem novidade alguma. Agora, por exemplo, vamos, ouvir um duetto, que talvez lhe cause prazer. O coronel sabe o que é duetto?
CORONEL – Nhor não. Vancê me exprique.
CONTINUO – Com muito gosto. Chama-se duetto á combinação de duas vozes, de dois instrumentos, etc.
CORONEL – Intonces, quando nois se juntemo, eu mais a Geltrude, fazemo duetto?
CONTINUO – Conforme... Havendo canto... Olhe, coronel, vae ouvir as vozes de dois seres de sexos differentes, os quaes, certamente, lhe proporcionarão momentos de extraordinaria delicia.
CORONEL – Nada disso, nho moço. Vancê nem me amostre esse casar, proque esse negoço de ajuntá os dois sechos deferente não pode dá bão resurtado. Inté é capais de provocá um bruto intrevero!
CONTINUO – Aprecie, eu lhe peço, o duetto, e depois dê-me a sua opinião a respeito...
CORONEL – Vancê assim qué, intonces assim seja.

Assim unidos agora,
Neste colloquio de amor,
É-nos a vida uma aurora
De divinal resplandor.

Palpita em éstos de goso
Nosso amante coração...
Amar é sonhar... Ditoso
Quem vive nesta illusão.

Porque nos queremos tanto,
Vivamos ambos assim,
Abrigados sob o manto
Desta ventura sem fim.

Riquezas não valem nada...
O amor a viver convida.
Viva nossa alma embalada
Neste sonho que dá vida.

CORONEL – Eta lá bicharia! Saio mió do que a incommenda. É que essas cantata de home com muié no finar sempre sae gostoso...
CONTINUO – Esta secção termina com a indefectivel receita de um bolo. Aproveite-a e offereça, logo que possa, á sua viscera digestiva que, provavelmente, já ha de andar enjoada de digerir feijão com couve. Eil-a:

Só dois ovos; libra e meia
De assucar branco cristal;
Uma colher quasi cheia
De manteiga, mas com sal;
Farinha de trigo, apenas
Um litro; pouco limão...
Eis o bolo das morenas,
O bolo do coração.

CORONEL – Vancê não leve a mar a minha farta de inducação, mais porem eu quero dizê que só de vê as receita já fiquei todo babado. Puxa lá bolo bão! Eu cando i pros pago vou insiná pra Geltrude e se ella aprendê bem, eu caio de queixo nos bolo das morena inté ficá enjoado! A muié sabe tãobem fazê umas doçarada, mais porem eu lhe digo que inté já tou cançado de comê o bolo della. As veis é bão a gente avariá nas comida, pro mode não dá as malaria no estambro. O cumpadre Zé da Onça é que pode contá bem essa histora do estambro estragado. O cabocro só comida virado de feijão, mais porem ficô ruim pra burro e quage foi fazê companhia á minha defunta potranca. Despois elle chamou um dotô da cidade, que lhe arreceitô um remedio de nome Lixi de Soret, cujo lhe deu uma fome capais inté de comê gente. Dês a primeira cuierada dos medicamento do dotô os apetites foi lhe vortando e pro fim o Zé, que tava molle, como a cumadre as veis contava, ficô forte, duro, a tar ponto da cumadre affirmá, cheia de orguio, que não trocava o véio della pro quarquer armofadinha de vinte anno.
CONTINUO – E ella que o diz é porque tem motivos para fazer tal asserção. Ninguem mais competente para affirmal-o. Passemos á collaboração. Vae ver os expoentes maximos da nossa litteratura. É nesta secção que fulguram so trabalhos burilados dos homens de letras... (á parte) a pagar muitas vezes! Eis o poeta amoroso, o vate que, sem a menor ceremonia, canta as meninas casadoiras.

Hontem, quando eu passava, á hora do costume,
Pela casa feliz que te abriga e agasalha,
Na esquina vi postado, e mordeu-me o ciume,
Alguem que me lembrou Lovelace canalha.

Revoltou-se-me o ser e eu quiz um desafio
Lançar-lhe logo ali para um duello de morte...
Comtudo, não o fiz e, agora, a sangue frio,
Dou graças ter contido o meu doido transporte.

Porque, meu caro amor, se eu me batesse em duello
Com tamanho imbecil, atirando-lhe a luva,
Talvez morto ora fosse o teu querido Othelo
E tu (que idéa má) fosses minha viuva.

Antes assim... Vibrei exasperado quando
Julguei ver nesse alguem á tua esquina postado
Atrevido D. João, emtanto, meditando,
Porque o não provoquei agi mais acertado.

Loucura é de quem ama o ciume... Tão louco
Eu fui em duvidar do teu affecto que
Venho ora te pedir, de mãos postas (é pouco)
E de joelhos tambem, compassiva mercê.

Desconfiar de ti em solteira... Ó loucura!
Pequei e quero, pois, que me dês teu perdão,
Porque não posso crer, formosa creatura,
Que me enganes a mim antes da nossa união!

CORONEL – A mode que o cantô tá cahido de mesmo pro a moça que elle qué pra casa. Um home cando se ajoeia de mão ansim (postas) adeante duma dama é proque tá querendo metê o dedo na combuca! Elle suspeitô da moça proque vio home perto da casa della. Isso tudo é porveniente do amô. Nho moço, cando home tem paixão pô muié, tá sempre cas oreia de pé quar mula sestrosa. Uma feita eu quage mandei o facão no baixo ventre do Juca Bigode, proque o canaia não arrespeitô a Geltrude. Elle foi dansá com ella e eu me apostei num canto vendo o balo. Cando passaro junto de mim, o Juca, que tinha o nariz nas quentura do cangote da muié, deu um assuspirão. Senti uns arrepio inté bem nos fundo das costa, saquei da pistola e fiz pontaria nelle. Intonces, o marcriado se ajoeiou nos meus pé e cando se levantô o chão tava todo moiado. Intonces, eu disse pra elle: arretira-te, cachorro, da frente dos meus oios. Não quero mais te vê aqui. E o miserave fincô os pé na estrada que nem veado. De cando em veis, elle se virava pra traz e intonces os oio delle fuzilava que nem cagalume. Ai, nho moço, eu não queimei o bruto proque fiquei com dó delle, mais porem o dono da casa do balo teve que torrá arfazema pro via do chero que ficô na sala.
CONTINUO – É de admirar que haja um caboclo tão covarde!
CORONEL – Tanto nos mato como nas capitá ai muita gente que só é bão de lingua. Abasta apontá nelle a garrucha, pra se vê a corage se desmanchá como agua no soaio.
CONTINUO – É verdade, coronel. São individuos ousados mas covardes, como os taes bolinas. Está claro que o Juca Bigode applicou o telephone sem fio na sua mulher, fracassando a communicação.
CORONEL – Qué que vancê tá dizendo? Telefone sem fio? Me exprique que coisa é essa. Eu conheço um telefone de outra calidade, que não se aprica nas muié dos outro. Cando se qué falá nos apareio, fais-se tocá uma sineta, pega-se ca mão numa coisa dura pra pô nas oreia e se mete a bocca num buraco...
CONTINUO – O amigo está muito atrasado. O telephone dos bolinas é outro apparelho. Estabelecida a communicação, vibram as campainhas surdas e os olhos trocam mensagens de amor... (á parte) O Anacleto não me entendeu. (ao coronel) Afinal, gostou do poeta?
CORONEL – É bão de mesmo. Elle sabe dizê tudo tão bem nas trova, que inté a gente tem penna de não tê nacido muié pra consolá elle.
CONTINUO – Outro poeta, o decadente, o nephilibata. Esse naturalmente não lhe será tão agradavel. Pode muito bem ser que o coronel não lhe entenda os versos, que quasi sempre são umas charadas sem conceito. Elles primam pela exquisitice e, como dizem cousas sem nexo, alardeiam que não escrevem para o vulgo. Conheço muitos, endeosados pelos seus iguaes, que molham a penna no tinteiro das asneiras e publicam, a meudo, sonetos e outras composições poeticas, que são indecifraveis como as esphinges. Este talvez seja um delles. Vejamos:

Zunia
louca, muito louca, louca,
a ventania,
como uma fera em cuja bocca
coubesse de uma vez
o exercito francez.

De quando em quando, um corisco
Cortava o céo, como arisco
passaro de fogo, e o trovão
echoava forte
como enorme canhão
que espalha a morte.

De repente, porem,
serena o temporal,
o céo se faz azul, e a lua – alva cecem –
á terra manda a sua luz astral.
E o terror dos seres, por magia,
se transforma em alegria.

Alma negra a minhalma infeliz
era na tua ausencia (ó dor!)
mas surgiste, ó Beatriz,
como a lua
e, á imagem tua,
tornei a palpitar de amor!

Creou azas a dor e se foi... e se foi...
e, certo, não virá mais...
Adeus, corvo de Pôe!
Cras!... Cras!... Cras!...

CORONEL – Puxa barburidade! Esse home decerto sahio do hospice! É doido da cabeça! Vancê arrepare que gente boa dos miolo não pubrica tanta doidicia!
CONTINUO – É isso, coronel. Esses homens são os privilegiados do talento, os symbolistas, os requintados, os semi-deuses da poesia. Para elles, que julgam ter alcançado a gloria em vida, todos são burros, ninguem possue valor litterario. É que elles acreditam que se pode fazer monopolio do talento!
CORONEL – Não me amostre mais esses poeta, nho moço. Esses verso não tenham poesias, não servem pra gente cantá aos repinico das viola. Eu gosto das trova que mexe no coração da gente, que fais se tê sodade da véia e dos fios, das vaccas, dos ternero, do boi carrero e inté do guincho dos carro cando as roda não tenham graxa. Oie, nho moço, eu as veis tãobem faço as minha trova.
CONTINUO – Boa nova, coronel. Já sei que vou ter o prazer de ouvil-o daqui a pouco.
CORONEL – Se Vancê quizé escuitá as modinha lá dos mato, Vancê arranje umas viola pra eu arrepinicá.
CONTINUO – Arranjal-a-ei, não ha duvida. Aqui mesmo, entre o pessoal das officinas, ha um portuguez cantador de fados, que possue um soberbo instrumento. Estou certo que se eu lh’o pedir, elle não fará questão em servir o amigo Anacleto, pondo o instrumento em suas mãos.
CORONEL – O trato tá valendo. Si Vancê arranjá a viola do gallego, ha de vê como cabocro do mato fais gente da cidade chorá e ri de gosto.
CONTINUO – Prelibo o prazer de ouvil-o, meu carissimo sr. Anacleto. (á parte) O pessoal das officinas é que vae gozar quando vir o coronel mandar a mão no instrumento do mondrongo! (ao Coronel) Que diz o meu amigo das mulheres que fazem versos?
CORONEL – Eu pra lhe falá com franqueza acho que a muié que fais verso não pode sê boa mãe de famia. Cando nós era ennamorado, eu mais a Geltrude, fazia verso, mais porem despois que nois se casemo eu disse pra ella agora é bão nois deixa de poesia pra fazê outra coisa...
CONTINUO – Posto que respeite a sua opinião sobre as poetisas, convido-o a ouvir as rimas de uma menina que vive a sonhar com as delicias da lua de mel. Tenha paciencia, coronel. Ouça-as...

Partiste...
Sosinha e triste,
Fiquei aqui...
Tão distante,
Tua amante
Pensa em ti.

Saudade,
Quem não ha de
Sentir-te a dor?
Se a namorada
É privada
Do amor!

CORONEL – E não é que a dianha da moça me bulio no coração?! Tãobem ella feis umas versaradas triste como o soluço da rola nos matagar. Escuitando essa moça cantá a gente logo se arrecorda da pomba chorando o companheiro que o caçadô marvado matô pra comê.
CONTINUO – De facto, os versos da moça retratam toda a tristeza da sua alma. Diga-me, porem, coronel, que culpa temos nós que ella deixasse o namorado partir? Ella não podia adivinhar que elle partindo tornar-se-ia privada do amor?

(O coronel faz um gesto de quem sentio uma grande colica. Põe as duas mãos sobre a barriga e, depois de umas quantas torcidellas, chega-se ao Continuo, em cujo ouvido fala, como quem indaga onde fica a “casinha” do desaperto. O continuo mostra-lhe a porta do fundo, por onde o coronel se enfia e desapparece).

CONTINUO – (Depois de dar uma formidolosa gargalhada) E esta! A moça disse que era privada do amor e o Coronel desandou! Muito soffre um pobre christão neste mundo. Só a necessidade de ganhar a vida faz-me supportar tanto tempo um caboclo estupido como esse! Felismente, o presidente do Estado já me prometeu um emprego publico. Receberei os vencimentos em apolices da vigesima emissão, mas livrar-me-ei de cacetadas desta marca. Ah! a minha vingança é que, no fim, o coronel não escapa á facada. Conto-lhe umas patranhas e habilito-me na certa. É preciso que elle sinta o peso do ferro

(CANTA)
Do Continuo de um jornal
Que se diz independente
E cujo chefe venal
Parece não ter rival
Entre os que mordem... sem dente.

Ai, coronel de uma figa,
A minha faca é afiada...
Eu sei cantar a cantiga...
Que me conhece que diga
Se me escapas á facada.

Alumno do redactor,
Dou dentadas magistraes...
Não sei quem mais mordedor:
Si o alumno ou o professor,
Ou se mordemos iguaes!

(Depois de uma pausa) Não perdes por esperar, meu imbecil Anacleto. Allivia-te de uma carga que, na volta, eu te alliviarei de outra. (Faz signal de dinheiro) Se exigires garantia, dar-te-ei uma letra endossada por todas as firmas que me for possivel falsificar!

(Fim do 1º acto)

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