O Jornal - Prólogo

(Ao levantar o panno, o jornalista, que se acha sentado em frente de um bureau-ministre, levanta-se e, esfregando as mãos, começa a passear, como quem se sente radiante de prazer).

JORNALISTA – Vae causar successo este artigo que acabo de traçar sobre a perna! Iniciei-o hontem, á tarde, e, embora trabalhasse até alta noite, só agora consegui concluil-o. Todavia, fui de uma felicidade rara! Fechei-o com uma chave de ouro melhor talvez que a da casa que deram ao marechal Hermes. Será mais um triumpho na minha vida de jornalista. Que fecho admiravel. Depois de tratar das festas do centenario da independencia em 1922, proponho que se leve a effeito, naquella occasião, no Campo de São Christovão, um colossal “match” de “foot-ball”, de cujas equipes façam parte os governadores dos Estados, agindo como “referee” S. Ex. o sr. Presidente da República! Hão-de convir os que me lerem que a minha idéa vae ser a nota sensacional dos festejos commemorativos do primeiro seculo da nossa independencia! O “foot-ball” é tudo em nosso paiz, - hontem essencialmente agricola; - hoje essencialmente “foot-ballista”! Desta vez, com tal alvitre, se eu não for á Glória, ficarei perto della, como já aconteceu quando escrevi aquelle artigo commentando a idéa de fusão lançada pelo ex-ministro Carlos Maximiliano, para pôr termo á questão de limites entre dois Estados. Escrevia eu naquella epoca: “Felismente a idéa não germinou. Foi semente lançada em solo esteril. Tambem, da união, sem amor, do Paraná com Santa Catharina, só poderia resultar um estado interessante”! Que de parabéns, que de abraços recebi eu então! (Depois de uma pausa) Ah! como é bom se recordar os momentos de felicidade!
(Dirigindo-se ao chefe da officina, que entra) A proposito... Tome lá este editorial, que venho de escrever de um folego. Muito cuidado na composição... Duas entrelinhas... Titulo garrafal... Primeira columnas... (O chefe sae)
De um folego! Ah! ah! ah! Só eu sei as horas de somno que perdi! Contudo, é preciso que continuem a acreditar na minha espontaneidade. Sim... porque um jornalista, embora seja como torneira da Empreza Paulista, aos leigos deve parecer inesgotavel como os maravilhosos saltos do Iguassú. (Aos reporters, que surgem) Muita novidade, hein?
 
REPORTER – Apenas um furo. Um defloramento... Personagens do “high-life”...
 
JORNALISTA – Ora... Isto é tão commum hoje em dia, que já não constitue novidade. Nada mais?

REPORTER – É verdade... ia-me esquecendo que houve um pugilato no Elite-Club.
 
JORNALISTA – Esse Elite! Esse Elite! Olhem: façam circunstanciada noticia do facto. Digam os nomes dos contendores e chamem a attenção da policia para aquella casa de perdição.
 
REPORTER –Mas... trata-se de filhos de familias altas!...
 
JORNALISTA – Bem... Bem... Neste caso, não deem noticia do occorrido. Eu pensei que a luta se tivesse dado entre cafagestes. Silenciem... silenciem... porque não fica bonito quebrar a linha de independencia do jornal. (Depois de uma pausa) Vão trabalhar... vão trabalhar... Tempo é dinheiro, dizem os inglezes, e dinheiro é sangue, dizem os usurarios.
 
CONTINUO (entrando) – Sr. Redactor...
 
JORNALISTA – Que quer?

CONTINUO – Está lá fora um cavalheiro que lhe deseja falar.
 
JORNALISTA – Faça-o entrar. (o continuo retira-se)
 
CORONEL (entrando a fazer cortesias) – Nho redatô, vancê discurpe as confiança de pidi uma confereça com a sua tão inlustre pissoa, mais porem cando eu sahi dos rincão, a véia (vancê sabe, a minha muié) cando nois si beijemo na despedida, me arrecomendô que eu não se esquecesse de contratá um jorná bem bão da capitá pro mode nois sabê as novidade que ai por esse mundo véio.
 
JORNALISTA – De maneira que o cavalheiro quiz dar preferencia ao meu jornal...
 
CORONEL – Perferença, nhor não. Vancê manda o jorná e eu dô os arame a Vancê.
 
JORNALISTA – Muito bem. Pode confiar que, de amanhã em diante, o sr. receberá o meu orgão com a maxima pontualidade, desde que o correio assim queira. Como é a sua graça?
 
CORONEL – Eu não tenho graça, nhor não, tanto que lá nos pago ninguem se ri-se cando conto um causo. As veis, o nho Bento Formige cae no gargaeiro. Mais porem Vancê qué sabê proque? É proque elle me é devedô duns cobre, e intonce qué me agradá.
 
JORNALISTA – Perdão. O cavalheiro não me entendeu. Eu indago do seu nome.
 
CORONEL – Vancê qué sabê pra arremetê os jorná? Intonces Vancê mande o seuoo o seu... Amode que vancê deu outro nome ao jorná?... Ahn! agora eu se alembrei: orgui! É... Vancê mande o seu orgui pra minha muié. Ella se chama Geltrude da Rosa. Não fais mar que a véia agarre mais primeiro no seu orgui, proque ella sabe lê mió que eu e despois me conta as novidade toda.
 
JORNALISTA – Não tem duvida. Mas afinal, o seu nome é...
 
CORONEL – Anacreto da Rosa; pra servi a Vancê.
 
JORNALISTA – Muito obrigado (Toca o tympano) (Dirigindo-se ao CONTINUO, que apparece) Diga ao Gerente que tome nota de um novo assignante: a Exma. Sra. D. Gertrudes da Rosa, esposa do coronel Anacleto da Rosa.
 
CORONEL – Justamentes. Vancê, nho redatô, inté parece que é adivinho! Arguem disseram a Vancê que eu sô coroné?
 
JORNALISTA – É boa! O sr. nunca ouvio falar no poder das siencias occultas? Nunca leu o que se tem dito sobre os prodigios do professor Lindolpho Pombo? Pois foi elle quem me transmittio a faculdade de conhecer os coroneis pela physionomia, pelas palavras e pelos gestos!
 
CORONEL – Eu vou dizê um negoço a Vancê: não percure mais esse home, proque isso de querê vê e adivinhá as coisa dos outro não é bão. Ainda se elle dissesse a gente os bichos que vae dá...
 
JORNALISTA – Tem razão, meu caro sr. A seu pedido, não mais seguirei as pegadas daquelle conspicuo membro do magisterio publico. (Pausa) E não é que me ia esquecendo de lhe perguntar em que zona mora?
 
CORONEL – Oie, nho redatô, que um home casado não namora! Vancê inté parece que tá me xingando.
 
JORNALISTA – Não é isso meu caro coronel. O sr. entendeu mal. Eu desejo saber em que logar o amigo reside, onde fica a sua casa de morada.
 
CORONEL – Ahn! Eu moro nos arraiá, duas legoas adeante do Papanduva.
 
JORNALISTA – O sr. é filho do Paraná?
 
CORONEL – Nhor não. Eu sô fio do fallecido Antonio Rosa.
 
JORNALISTA – Ora, coronel... Eu quero saber se o sr. nasceu no Estado, si é paranaense...
 
CORONEL – Cando eu nasci o rincão apertencia ao Paraná, mais porem agora o coroné Marinho diz que nois tudo semo catirineta, proque nho Lauro Mille qué. Nois não queria, mais porem nho Marinho diz que é mió.
 
JORNALISTA – Qual Marinho qual nada! O sr. e todos que nasceram no Papanduva são paranaenses, porque aquillo nunca pertenceu a outro Estado senão ao nosso.
 
CORONEL (Batendo palmas e pulando de contente) Intonces mió pra nois tudo. Viva o Paraná! (mudando de tom) Vancê me conte canto tenho de pagá pelo seu jorná. Mas Vancê oie: não se esqueça de mandá o seu orgui pra minha muié. Si a véia gostá delle, vancê vae vê que ella lhe manda dizê.
 
JORNALISTA – Fique descançado. O meu jornal, que é o porta-voz da opinião pública, a setinella avançada dos opprimidos, - poderosa alavanca que põe por terra as pretenções descabidas da imbecilidade humana, irá ter ás mãos de sua dignissima esposa.
 
CORONEL – Puxa, que Vancê falou pra burro, mais afinar não disse o preço da sua foia.
 
JORNALISTA – Ah. Custa 50$000 o anno e 30$000 o semestre.
 
CORONEL – 50$000 o anus e 30$000 sem o mestre? A mode que é carinho, mais porem se elle me ensiná a falá como Vancê, eu fico sastifeito. (Dando o dinheiro) Arreceba as cobreira.
 
JORNALISTA (toca o tympano)
 
CONTINUO (Entrando) – Ás ordens, sr. Redactor.
 
JORNALISTA – Entregue esta importancia ao gerente e diga-lhe que extraia um recibo para dar ao coronel Anacleto.
 
CONTINUO – Sim, sr. (Sae)
 
CORONEL – Nho redatô. Vancê pensa que o Anacreto da Rosa, que já é pae de cinco piá, cae de cavallo magro? Nois semo burro, mais porem o muito Vancê risque. Eu já lhe dei os cobre e agora quero que Vancê me amostre o seu orgui, pra vê si elle tá nas condição de fazê gosá a minha muié.
 
JORNALISTA – Vae vel-o já (toca o tympano) (Ao continuo, que chega) Mostre o jornal ao coronel Anacleto. (á parte) Que grandissimo imbecil!